Uma proposta de mudança regulatória feita pelo Banco Central (BC) coloca em lados opostos, mais uma vez, as fintechs e os grandes bancos. E o impacto pode ser bilionário: segundo levantamento da Zetta, organização que reúne várias fintechs como Nubank e Mercado Pago, caso estas novas regras estivessem valendo ano passado, os clientes destas instituições financeiras teriam pago em torno de R$ 24 bilhões em tarifas.
A mudança de regra pode limitar o modelo de negócio das start-ups financeiras que têm crescido com a oferta de serviços gratuitos, como cartões de crédito.
Esse novo capítulo na disputa passa por uma mudança na Tarifa de Intercâmbio (TIC), percentual pago pelas bandeiras de cartão para os emissores (instituições financeiras), que colocaria sob o mesmo teto a tarifa cobrada em transações feitas por cartões emitidos por fintechs e por bancos.
A arrecadação com a TIC está entre as principais fontes de receita das fintechs e, segundo as empresas, permite oferecer os demais serviços de forma gratuita.
A divisão começou quando o BC decidiu estipular um teto de 0,5% na TIC para cartões de débito em 2018. Na época, a instituição argumentava que a medida tinha como objetivo incentivar o uso dessa modalidade de pagamentos no país.
Essa mudança acabou diferenciando as tarifas pagas aos bancos e às fintechs porque o teto não se aplica aos produtos delas. A razão é simples: fintechs, em sua maioria, não emitem cartões de débito, mas cartões pré-pagos, que embora caiam em uma regulação diferente, têm usos muitos parecidos.
Agora, o BC pode estabelecer o mesmo teto para cartões de débito e pré-pagos, reduzindo, na prática, a arrecadação das fintechs. O estudo da Zetta teve por premissa um teto de 0,6% para a TIC no ano passado, parecido com o limite de 0,5% dos cartões de débito estabelecido pelo BC em 2018 e cogitado agora para os pré-pagos.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apresentou um documento na consulta pública aberta pelo BC em outubro de 2021, em que dizia ser contra qualquer tabelamento, mas entendia que a proposta traria um tratamento “mais isonômico” entre os agentes, ou seja, uma simetria entre as regulações.
Defesa da autorregulação
Já a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), que reúne grandes bancos e fintechs, não vê “dois lados” na discussão e defende uma solução por meio de autorregulação.
Milene Fachini Jacob, sócia da área de fintechs, cripto e blockchain do BLuz Advogados, explica que na visão do BC, há uma assimetria para os consumidores.
“O Banco Central falou: eu fiz um estudo e estou tentando eliminar as assimetrias do mercado e também o impacto que isso tem para o consumidor final. Eu identifiquei que o débito e o pré-pago tem as mesmas premissas e portanto vou utilizar os mesmos princípios nos dois mercados”, afirma.
Na primeira semana de junho, representantes da Zetta se reuniram com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, para defender que esse teto prejudicaria as operações das fintechs e apresentou o cálculo do impacto nas tarifas.
Além do argumento de que o teto afetaria diretamente o modelo de negócios, a Zetta apresentou a Campos Neto argumentos de que uma possível mudança poderia dificultar o acesso das pessoas aos serviços bancários.
“Quando a gente pega o universo de empresas que fazem parte da Zetta, a gente estaria olhando algo como 34 milhões de pessoas que deixariam de ter acesso ao setor financeiro nos próximos dois anos por conta dessa redução”, argumenta o presidente da Zetta, Bruno Magrani.
Ricardo de Barros Vieira, vice-presidente executivo da Abecs, disse que as bandeiras de cartão já apresentaram propostas de autorregulação ao BC.
“Nós estamos propondo que, se o BC enxergar alguma imperfeição, que eventual ajuste de preço seja feito pelas bandeiras e não por tabelamento estatal”.
Procurado, o BC informou que está analisando as contribuições que recebeu do mercado e que a proposta será submetida para a diretoria do BC “em breve”.
Se o Banco Central for em frente e decidir pela nova regulamentação, a Zetta pede um tempo “alongado” para adaptação do mercado. Na análise de Leandro Vilarinho Borges, sócio da área de banking e meios de pagamento do Velloza Advogados Associados, a possível mudança deve afetar o modelo de negócios das fintechs.
“Talvez para alguns haja espaço para criar outras fontes de receita e amenizar o impacto dessa mudança, mas talvez para outros essa remuneração é tão essencial que o modelo de negócio não faz sentido sem a liberdade na tarifa”.
Na visão de Vieira, da Abecs, a questão do período de adaptação também deveria ser decidida pelo mercado e ressaltou que a associação defende um equilíbrio com autorregulação, livre competição e igualdade de regras.